Origin, history | Origen, historia | Origem, história
A uvada é um doce que se confeciona durante a época das vindimas, em setembro e/ou outubro. Não leva açúcar porque é feita com a redução do mosto da uva com maior grau, usualmente uva das castas Fernão Pires, Periquita ou Santarém.
O mosto concentrado é denominado de "arrobe", um produto que era utilizado como substituto do açúcar e que se juntava a vários pratos, por exemplo, às papas de milho.
Vários testemunhos referem que, há cerca de 40 anos, o pero “Focinho de Coelho” era o mais utilizado para juntar ao concentrado de mosto e fazer a uvada. Hoje, porque não se encontra facilmente esse pero, utiliza-se o pero Bravo de Esmolfe.
No registo realizado em 1939 por Hipólito da Costa Cabaço em resposta a um pedido da Câmara Municipal de Alenquer, refere-se que para fazer a uvada pode juntar-se ao “arrobe” os “pêros, pêras, abobora menina ou outros frutos, vai ao fôgo até ficar uma espécie de marmelada, junta-se-lhe cravos de cabecinha e canela em pau”.
Vários relatos referem ainda que a uvada era confecionada em dois contextos diferentes: no final das vindimas na casa do patrão, quando algumas trabalhadoras deixavam o campo e eram destacadas para a cozinha para fazer a uvada; durante a vindima na casa das famílias com menos possibilidades, depois da “jorna”, durante a noite, usualmente na rua ou no quintal onde era colocado o tacho de arame sobre uma trempe e o lume de lenha.
A uvada é um doce que, realizado segundo os procedimentos tradicionais, demora várias horas a preparar. Enquanto o pero absorve o mosto e se desfaz é necessário estar sempre a mexer para não se pegar ao fundo do tacho. A uvada demora várias horas a apurar e nessa altura, para a cozinheira não se queimar com os pingos quentes que “espirram” do tacho, era hábito mexer-se o doce de pé, com o tacho na trempe ao nível do chão, utilizando-se uma colher de pau muito comprida e uma meia que protegia o braço do pulso até ao ombro.
A uvada é um doce que se conserva de um ano para o outro, é consumida no pão ou com frutos secos. Na região oeste, o Natal é uma das épocas do ano em que muitas famílias colocam a uvada nas suas mesas.
Recentemente têm surgido vários estudos que pretendem promover a utilização da uva para outros fins que não o vinho. Realizam-se trabalhos que recuperam a receita tradicional da uvada, restabelecendo o esquema de produção e a sua caracterização físico-química e microbiológica. Desenvolveram-se assim várias marcas de uvada que chegam ao mercado em maiores quantidades, sistemas de produção industriais que partem da receita e procedimentos tradicionais.
Receita registada no livro O Concelho de Alenquer 2- subsídios para um roteiro de arte e Etnografia (1991)
“Este é necessariamente um doce típico dos vinhedos e pereiros de Montejunto. Procede-se assim:
Faz-se um bom lume debaixo de uma tempe. Coloca-se sobre ela um tacho de arame dos grandes.
Deita-se lá dentro “o mosto” ou seja o sumo de uva acabado de tirar da tina ou da bica do lagar. Tem de ser vinho em mosto daquele dia para não dar tempo a fermentar. Enquanto o vinho vai fervendo no tacho de arame, vai-se tirando a espuma com a escumadeira. Quase sempre fica reduzido à metade do vinho que lá se deitou. Quando acaba a espuma fica “o arrobe” que se pode guardar para servir de açúcar para as papas de milho ou de qualquer outra coisa que precise de ser adoçada. No mesmo dia, ou no outro, deita-se lá uma porção de pêros amarelos cortados aos quartos. Os pêros vão-se desfazendo no vinho e nunca se pára de mexer o doce para não se pegar no fundo.
O lume não se deixa abrandar para que a “uvada” fique bem apurada. Logo que a colher de pau ”abrir estradas” dentro do doce, ele fica bom e capaz de guardar em tigelas ou tachinhos de barro. Leva canela e cravo de cabecinha quanto baste. Há quem o enfeite com bocadinhos de noz. Também há quem o faça com abóbora em vez de pêros. Para um duplo de vinho regula um cesto vindimo de pêros.”
in: Melo, António; Guapo, António e Martins, José (1991) O Concelho de Alenquer 2- subsídios para um roteiro de arte e Etnografia 2ª ed. Alenquer: CMA e Associação para o Estudo e Defesa do património de Alenquer. pp- 183-184.